domingo, 23 de agosto de 2009

A sedução e o namoro no ciberespaço .

A partir da perspectiva de se realizarem estudos comparativos entre formas de sociabiliade "virtuais" e "atuais" no contexto brasileiro, o conjunto das práticas e representações envolvendo relações afetivas é privilegiado como objeto de estudo. O terreno compreendido pelas formas de afetividade, sedução, relações amorosas e correlatos já possui alguns levantamentos realizados no Brasil. Além do mais, estudos recentes à respeito do tema em classes populares (Boff, 1994) levam em consideração a intervenção de mídias eletrônicas no processo de sedução amorosa [21].
Na Internet brasileira existem uma série de sites específicos sobre namoro, considerando apenas aqueles orientados para uma visão menos sexualizada da expressão, ou seja, que não fazem referência explícita a possíveis interesses sexuais dos usuários. Se levarmos em conta os sites relacionados à relações mais "pragmáticas", como os de classificados sexuais, nossa lista aumentaria consideravelmente. Partindo da hipótese de que as duas modalidades de "procura" amorosa possuem características diferenciais, parece-me conveniente delimitar o caso de estudo a apenas uma, no caso deste esboço de projeto, aos encontros para "namoro".
A natureza das relações estabelecidas via Internet, a forma como elas são representadas pelos envolvidos, o desenrolar das histórias de amor, as formas, os limites e a estrutura de negociações do "cibersexo", todas estas são questões que podem ser estabelecidas a partir deste universo de estudo. As modalidades de articulação de identidades – "avatares" – nas relações onde o encontro físico é pouco provável (por questão de distância geográfica ou pela própria natureza da relação) também constitui-se em um terreno fascinante de interrogações. A partir da extrema facilidade na manipulação e criação de identidades virtuais, o jogo de sedução adquire novas e instigantes facetas. O estudo a respeito da construção e manipulação de identidades pessoais através de avatares já possui uma certa trajetória a nível nundial [22]. Um pequeno exemplo disto pode ser encontrado em uma página mantida por um provedor de acesso em São Paulo, dedicada a ensinar os usuários a "saber como se comportar no IRC, na web, nos newsgroups, na rede,(...)" [23], através da interação com uma colunista fictícia ("Déborah Gralha"), usando uma linguagem descontraída:
"G I F D E S A N I M A D O
Conheci um cara no IRC há três meses. Nos demos super bem, nossos gostos são parecidos e acabamos nos apaixonando. Um dia o fogo foi tão forte que acabamos fazendo cybersex. Mas ele sempre inventava uma desculpa quando eu pedia pra ele me mandar uma foto. Semana passada ele finalmente mandou: o cara é um bagulho!! O que eu faço?
"Internauta desconsolada", MT.
Querida Beldade on line,
Mas afinal onde mora esse príncipe? Se não for na sua cidade, delete a foto dele, cate uma do Tom Cruise e aproveite as maravilhas do mundo virtual! :) " (O nome de "Tom Cruise" está linkado à um site com fotos do ator).
Uma possibilidade de delimitação do campo seria a observação (participante ou não) de salas de chat específicas sobre o tema. A hipótese inicial é que, a despeito da possibilidade de contínua renovação da identidade dos frequentadores, os mesmos mantém uma identidade fixa por sala ou por horário de visitação aos sites, e é através desta identidade que se estabelecem os contatos. De fato, em mais de uma observação às salas de chat foram percebidas referências à avatares que não estavam presentes.
O estudo das redes de relações estabelecidas pelos frequentadores de determinado site pode revelar a forma como se processam os primeiros contatos e as aproximações dos possíveis pares. Diante da notória (ou pelo menos alegada com frequência, pelos internautas homens) desproporção entre os sexos dos usuários da rede, parece ser comum a circulação de informações a respeito de horários e locais frequentados por mulheres [24].
Como reflexo desta necessidade, uma ferramenta bastante interessante foi colocada à disposição dos internautas que buscam sua "alma gêmea" no ZaZ: uma base de dados, onde é possível cadastrar-se, fornecendo informações à respeito de sua personalidade e das características da cara-metade desejada [25]. Estas informações são cruzadas no banco de dados do sistema e uma lista de pessoas cujas características "conferem" com o desejado é gerada. Também aqui um serviço já existente antes do advento da popularização da Internet (a busca de pares através de cruzamento de dados, realizado por empresas especializadas) é transposto ao ciberespaço, mantendo suas características básicas e adquirindo novas propriedades, na medida em que se adequa ao novo meio.
Outra possível fonte de dados são as páginas pessoais. A partir da navegação aleatória em algumas home-pages pessoais localizadas nos sites que fornecem serviços de encontro, é possível constatar, preliminarmente, que o leitmotiv que orienta o design e o conteúdo das mesmas é a captura da simpatia do navegante para com o autor da página. São recorrentes as afirmações informando o desejo do autor em conhecer pessoas, estabelecer novas amizades, etc. Em alguns sites a construção da página é automatizada, ficando o autor com a tarefa de compor o texto e escolher o padrão de fundo e as ilustrações da página, a partir de um conjunto pré-estabelecido. A observação das escolhas feitas pelos usuários a partir destes conjuntos, associada à análise do próprio texto da página, podem ser reveladoras das representações e expectativas dos mesmos em relação aos "efeitos" das páginas. Neste sentido os aportes teóricos provindos da Antropologia visual seriam de grande utilidade para estes tipos de análise, bem como o referencial metodológico de Pierre Bordieu, no que diz respeito às escolhas como determinadoras dos habitus (Bourdieu, 1984).
Um estudo desta natureza poderia trazer à tona os códigos que estes sujeitos/avatares utilizam em sua vivência no ciberespaço, revelando como esta vivência é representada e em que medida ela estabelece, ou não, novas formas estruturais de sociabilidade.

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